Endometriose
As histórias de quem venceu a doença que atinge mulheres que tentam engravidar depois dos 30.
Endometriose
As histórias de quem venceu a doença que atinge mulheres que tentam engravidar depois dos 30
[caption id="attachment_4144" align="alignleft" width="270"] Ana Maria Navajas com a filha Helena e Juliana Alves com Oscar. Vítimas de endometriose, a primeira enfrentou um tratamento que simula a menopausa e a segunda, uma cirurgia (Foto: Marcio Scavone)[/caption]Uma em cada dez brasileiras sofre de cólicas fortíssimas e tem dificuldade para transar e engravidar. Mais da metade delas não sabe, mas sofre de endometriose, o mal do século entre as mulheres que optaram por ter filhos depois dos 30. A boa notícia é que, com diagnóstico precoce e o tratamento correto, é possível superar a doença, como fizeram Fabiana, Ana Maria, Juliana, Fernanda...
Foram décadas de luta para termos o direito de retardar a maternidade, investir na carreira e escolher com quem, como (e se) queremos casar. Demorou, mas a sociedade parece ter entendido – só que a natureza não. Nada menos que 6 milhões de brasileiras têm endometriose, a chamada “doença da mulher moderna”, pois acomete principalmente mulheres por volta dos 30 anos, que ainda não têm filhos, trabalham muito e vivem em grandes centros urbanos. O mais assustador é que ela é, hoje, a principal causa da infertilidade feminina.
Todos os meses, por influência dos hormônios do ciclo menstrual, o endométrio (a camada interna do útero) fica mais vascularizado e aumenta de tamanho para esperar uma possível gravidez. Se ela não acontece, o endométrio descama e é eliminado em forma de menstruação. A enfermidade acontece quando algumas células do endométrio, em vez de ser eliminadas, sobem pelas trompas e se alojam em órgãos da cavidade abdominal.
Com o tempo, os locais onde as células “grudaram” se inflamam e viram nódulos, que causam dor. Em geral, eles aderem aos ovários, mas podem atingir também o útero por fora, as trompas, o intestino, a bexiga e, em casos graves, os rins e até o pulmão.
Os principais sintomas são cólicas fortes e incapacitantes, desconforto intestinal e dor durante o sexo. A doença interfere na fertilidade porque pode impedir a mobilidade das trompas, responsáveis pelo transporte do óvulo ao útero. Se não for tratada, a mulher pode perder os ovários, as trompas, o útero e partes da bexiga e do intestino. Se chegar ao pulmão e aos rins, o risco de morte é enorme.
Uma das principais causas da endometriose é que, hoje, as mulheres engravidam mais tarde e têm menos filhos, portanto, menstruam mais – cerca de 400 vezes contra 40 no início do século 20. Assim, há mais endométrio preenchendo a cavidade abdominal. Estudos recentes apontam para alterações no sistema imunológico, o que também explica a maior incidência em relação a duas gerações atrás.
O estresse também é um elemento importante no desenvolvimento da doença, já que promove picos de adrenalina, substância associada à liberação de estrógeno, hormônio feminino que alimenta as células do endométrio fazendo com que cresçam mais rapidamente. Por tudo isso, é uma doença bem mais comum em cidades grandes.
DE MÉDICO EM MÉDICO
Apesar de atingir mais de 170 milhões de mulheres no mundo, a endometriose é desconhecida por mais de metade das brasileiras. Uma pesquisa feita no ano passado pela SBE (Sociedade Brasileira de Endometriose) mostrou que 53% delas nunca ouviram falar na doença. A falta de informação sobre o problema e seus sintomas turbina a curva ascendente do número de casos, mas a culpa pela demora do diagnóstico não é só das mulheres. O desconhecimento do quadro se dá também entre os médicos.
“Uma paciente com endometriose passa, em média, por cinco ginecologistas e demora entre sete e dez anos para conseguir diagnóstico e tratamento corretos”, afirma o ginecologista Sérgio Podgaec, presidente da Comissão Especializada em Endometriose da Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia). Isso porque a ideia de que “ter cólica é normal” ainda predomina. Mas não, não é.
[caption id="attachment_4145" align="alignright" width="270"] Fabiana grávida dos gêmeos Mariana e Gabriel. Final feliz depois de uma cirurgia de grande porte, quatro fertilizações e dois abortos (Foto: Marcio Scavone)[/caption]Para a especialista em TI Fabiana Cayres Rodrigues, de 33 anos, o diagnóstico demorou mais de dez anos.Desde os 20 ela sofria com cólicas tão fortes que a faziam desmaiar e ir parar no pronto-socorro, mas só aos 31 soube o motivo. “Meu marido dizia para os médicos: não é normal uma mulher sentir tanta dor todo mês”, lembra.
Quando descobriu a endometriose, Fabiana foi do céu ao inferno em instantes. Até ali, vivia uma história digna de conto de fadas. Depois de se apaixonar pelo futuro marido em 2011, foi pedida em casamento no topo do Terraço Itália, um dos prédios mais altos de São Paulo, com direito a noivo de joelhos. Disseram o “sim” diante de 120 convidados na tradicional Igreja Nossa Senhora do Brasil e passaram uma lua de mel de um mês em Paris.
O capítulo seguinte do romance já estava planejado: teriam logo o primeiro filho. Aí veio a bomba: as dores incapacitantes eram resultado de uma endometriose profunda, instalada no intestino, na bexiga, no apêndice, nos ureteres (quase chegando aos rins), nos dois ovários e atrás do útero.“Meu caso já estava tão grave que nem se considerou um tratamento, tive que ir direto para a cirurgia”, afirma.
Na maioria dos casos, a endometriose pode ser operada por laparoscopia, uma cirurgia pouco invasiva que permite o acesso ao interior da pelve por meio de uma microcâmera, de bisturis estreitos e uma cânula de sucção, todos inseridos por pequenos “furinhos”. Em casos mais graves como o de Fabiana, no entanto, é necessária uma cirurgia de grande porte. “Além dos furos da laparoscopia, tenho uma cicatriz enorme, como a de cesárea”, diz. “Minha recuperação foi muito delicada, fiquei 13 dias internada, com dores fortíssimas.” Ela precisou retirar parte do intestino e da bexiga.
Até conseguir engravidar, Fabiana fez quatro fertilizações, uma inseminação, e enfrentou dois abortos. “Da primeira vez que deu certo, ficamos tão felizes que contamos para todo mundo, até no trabalho. Para a família, fizemos o anúncio no Natal”, lembra. Mas, duas semanas depois, perdeu o bebê. Da segunda vez, o aborto aconteceu bem no Dia das Mães. “Foi um dos dias mais tristes da minha vida”, conta.
Mas a alegria estava próxima: na fertilização seguinte, em julho, dois embriões se desenvolveram. “Ao contrário de muitas mulheres na mesma situação que eu, me mantive otimista: nunca considerei que não pudesse ter meu filho”, diz. “Claro que enfrentei períodos muito difíceis, chorei e passei noites em claro, mas sempre pensei: vou dar um jeito e conseguir ter meu bebê. E agora são dois, a Mariana e o Gabriel. Ouvir o coraçãozinho deles no ultrassom foi, sem dúvida, o dia mais feliz de toda a minha vida.”
[caption id="attachment_4143" align="alignright" width="270"] A atriz Fernanda Machado, que tornou pública sua luta contra a doença e tentou um tratamento alternativo enquanto gravava a novela "Amor à Vida" (Foto: João Miguel Júnior / TV Globo)[/caption]O medo de não conseguir ser mãe também assombra a atriz Fernanda Machado, que no ano passado tornou pública sua luta contra a endometriose. Ela detectou a doença em 2012, depois que as cólicas ficaram tão fortes que acordava no meio da noite, sem conseguir respirar. “A primeira coisa que me veio à cabeça quando recebi o diagnóstico foi: ‘Será que vou poder ser mãe?’.Essa doença é muito assustadora para a mulher”, diz.
Como estava gravando a novela "Amor à Vida", Fernanda tentou um tratamento alternativo. “Coloquei um implante de progesterona, o hormônio da gravidez, assim enganava meu corpo e não menstruava.” É que, como ainda não existe cura definitiva para a endometriose – a cirurgia elimina os nódulos, mas não previne que novos cresçam –, o maior recurso para impedir seu crescimento é a interrupção do fluxo menstrual”, explica o ginecologista Marco Antonio Lenci, do Hospital Albert Einstein.
O implante foi muito eficaz para as cólicas, que, segundo Fernanda, melhoraram 90%. Mas os nódulos continuaram a crescer, fazendo com que ela perdesse o medo e encarasse a cirurgia, mesmo com a novela ainda no ar. Logo depois da laparoscopia, colocou outro implante de progesterona. “Há um mês o retirei e vou tentar engravidar, estou confiante”, diz ela, que se casou com o empresário americano Robert Riskin em fevereiro deste ano.
PLANO DE SAÚDE x SUS
Além de todo o sofrimento físico e psicológico, muitas mulheres têm de lidar com questões financeiras no combate à endometriose. Uma cirurgia custa entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, sem contar as despesas hospitalares. Até o ano passado, muitos convênios médicos se recusavam a cobri-la, alegando que não constava no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde).
Em janeiro, porém, a agência incluiu este e outros 87 procedimentos, obrigando os planos a pagá-la. Mas em muitos casos o médico indicado pelos convênios não é especialista em endometriose, o que deixa as mulheres inseguras. Foi o que houve com a atriz Fernanda Machado, que gastou R$ 18 mil na laparoscopia.
Fora da rede particular, são poucos os hospitais que realizam o procedimento com especialistas. Em São Paulo, os dois principais são o Ambulatório de Endometriose da Unifesp e o Hospital das Clínicas. Em ambos, o serviço é coberto pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
“O atendimento é feito por especialistas e totalmente gratuito. O grande problema é a fila para a cirurgia”, afirma o ginecologista Eduardo Schor, referência nacional em endometriose e coordenador do Ambulatório da Unifesp. “A paciente, depois de ter sua cirurgia indicada, aguarda de 8 a 10 meses para ser operada”, diz. Lá, são atendidas cerca de 30 mulheres por semana e realizadas quatro cirurgias por mês.
Já no HC, o departamento de endometriose é coordenado por outro grande especialista do país, o ginecologista Maurício Abrão. Por semana, o hospital atende em média 60 pacientes no ambulatório e realiza três cirurgias, em média. Como a espera pode chegar a dois anos, os casos mais graves são sempre priorizados. Atualmente, existem cerca de 80 pacientes com indicação para cirurgia. A pedagoga Ana Maria Navajas conseguiu fazer todo o seu tratamento pelo SUS.
Fonte: Revista Marie Claire (adaptado)
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